Artigo
Jornalismo, área de risco
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Quando inicio o semestre letivo falando aos aspirantes a jornalistas – em sua maioria jovens recém-saídos do Ensino Médio – sobre as áreas de futura atuação profissional, sempre pergunto se alguém já decidiu se quer ser repórter, editor, fotojornalista, assessor de imprensa... Diante de tantas opções, aponto que um dos caminhos para se chegar ao que se quer ser é excluir o que não se quer ser. Digo aos estudantes que eu, por exemplo, decidi logo no início de meu curso de Jornalismo que não queria ser repórter: queria ter a noite para dormir, sem que um telefonema me acordasse na madrugada fria e chuvosa para avisar que em 15 minutos um carro da redação estaria parando em minha porta com um fotógrafo a bordo e um destino emergencial traçado. Quando termino de falar, invariavelmente alguns alunos, com os olhos brilhando, me dizem: “Mas é exatamente isto o que eu quero, professor!” E lembram de Tim Lopes, e falam dos jornalistas correspondentes de guerra, enquanto em meus pensamentos vou agradecendo porque ainda existem os que querem realizar este trabalho.
Vejo nesta vontade manifesta dos estudantes uma mistura de idealismo, da adrenalina que o risco próximo pode gerar e de uma boa dose de coragem juvenil. É verdade que os grandes confrontos bélicos são distantes e envolvem poucos profissionais de imprensa brasileiros, mais ocupados com nossas guerrilhas urbanas. Mas não se pode negar que o jornalismo cotidiano vem se tornando cada vez mais uma área de risco.
O ano de 2010 foi marcado pelo significativo aumento do número de sequestros de profissionais da imprensa: 51 casos, contra 33 em 2009. Percebe-se que o jornalista deixou de ser encarado como um observador externo, tornando-se “moeda de troca” em alguns países. Uma nota da organização Repórteres sem Fronteiras alerta para os perigos desta prática: “Os raptos permitem aos sequestradores financiar suas atividades criminosas, obrigar os governos a ceder a suas reivindicações e difundir uma mensagem junto da opinião pública, assegurando assim uma forma de publicidade para os grupos envolvidos. (...) É necessário que os governos se empenhem mais na identificação desses grupos para que estes possam ser levados perante os tribunais. Se não for esse o caso, os repórteres – nacionais ou estrangeiros – já não se atreverão a deslocar-se a determinadas regiões, abandonando as populações locais à sua sorte.”
Os 19 assassinatos de jornalistas em vários países da América Latina nos primeiros sete meses de 2011 já transformou este ano no mais trágico para a imprensa local em 20 anos, conforme alerta da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Foram cinco jornalistas mortos no México, quatro no Brasil e quatro em Honduras – Colômbia, El Salvador, Guatemala, Paraguai, Peru e Venezuela tiveram um jornalista assassinado em cada país. Estes números não incluem os casos de repórteres mortos por razões alheias ao ofício. O México é atualmente o país mais perigoso da América para a imprensa, totalizando 66 jornalistas assassinados e 12 desaparecidos na última década.
Entre as razões deste agravamento de risco na América Latina está principalmente a violência por parte do crime organizado e a repressão por parte de governos autoritários. Junte-se a estes fatores a impunidade e temos a receita para mais mortes e menos liberdade de expressão.
O “remédio” para aliviar ao menos os sintomas desta perseguição a jornalistas passa pelas redes sociais. É através delas que jornalistas têm conseguido postar imagens e denunciar situações em países sem liberdade de imprensa, mundo afora – ainda que tal gesto aumente o risco contra a vida destes profissionais. Atualmente, 62 países censuram a Internet, o que resultou em 152 blogueiros ou net-cidadãos presos em 2010, sem contar os agredidos e ameaçados.
Em maio último, a Google lançou no YouTube um memorial para jornalistas mortos em serviço. O canal funciona como uma versão digital do Memorial de Jornalistas, localizado em Washington, que presta homenagem a profissionais de imprensa mortos durante coberturas de guerras, conflitos armados e situações de extremo risco. A iniciativa é importante exatamente porque nesta era de coberturas em tempo real não se pode deixar de lembrar que às vezes paga-se com a própria vida o esforço para obtenção de áudios e imagens.
É fundamental que os futuros profissionais da mídia saibam, desde o início de seu curso, o que sua profissão pode lhes oferecer. Creio que somente assim poderão escolher melhor a área em que atuarão e preparar-se adequadamente para a mesma. E é por isso que torço e me esforço para que das salas de aula de Jornalismo de um país que se propaga democrático e com liberdade de expressão saiam repórteres e cidadãos que encham de orgulho os que ainda acreditam no Jornalismo como agente de mudança social.
AJ Chaves é jornalista e mestre em Ciência da Informação.
Artigo publicado na Revista da Comunicação - ano I, número 1, setembro de 2010, da Universidade Candido Mendes.
Permitida a reprodução, desde que com a citação de autor e fonte.